A disputa entre o Executivo e o Legislativo tem se concentrado no Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), com o objetivo de determinar a origem dos recursos – de maneira diferente, quem arcará com o custo ─ para cobrir os R$ 20,5 bilhões necessários para atender à meta fiscal estabelecida para 2025. Isso ocorre devido ao bloqueio ou contingenciamento de R$ 31,3 bilhões em despesas realizado pelo governo este ano.
Os analistas ouvidos pela Agência Brasil observam que o Congresso tem resistido às propostas do governo, que visam evitar cortes ainda mais profundos nos gastos primários, os quais geralmente afetam primordialmente a parcela mais vulnerável da população, que depende mais dos serviços públicos.
O Poder Legislativo – e certos setores empresariais ─ têm demonstrado resistência a medidas que aumentem a carga tributária, preferindo que o Executivo amplie os cortes nos gastos primários. Os gastos primários correspondem aos dispêndios com serviços públicos, como saúde e educação. Nessa conta, não estão inclusos os gastos com juros e a dívida pública.

Juliane Furno no DR com Demori, da TV Brasil. Paulo Pinto/Agência Brasil
Juliane Furno, professora de economia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), argumenta que diversas medidas classificadas como aumento de impostos são, na realidade, cortes nos gastos tributários.
“O Ministério da Fazenda está propondo uma variedade de cortes nos gastos. Quando o governo sugere a taxação das LCI e das LCA, na verdade está reduzindo gastos, pois, para que sejam isentas, o governo precisa cobrir o valor. Ou seja, o Congresso não está favorável a cortar qualquer tipo de gasto, como os gastos tributários quando são inseridos nas isenções fiscais e tributárias”, frisou à Agência Brasil.
O governo propôs taxar em 5% os títulos das Letras de Crédito Imobiliárias (LCI) e do Agronegócio (LCA), que hoje são isentos. Contudo, a medida foi fortemente criticada pela bancada ruralista, que possui significativa representação na Câmara e no Senado. A Frente Agropecuária alega que essa ação encarecerá o crédito rural.
Juliane Furno também acrescentou que esses gastos tributários beneficiam, em sua maioria, grandes empresas que se beneficiam de subsídios ou isenções fiscais. Por essa razão, o setor empresarial está exigindo mais cortes nos gastos primários.
“Todos esses ─ subsídios, subsídios fiscais e isenções ─ são considerados gastos dentro do resultado primário do governo, e esses gastos eles não querem reavaliar. Eles querem apenas cortar nos gastos relacionados aos mais desfavorecidos”, completou Furno.
Cleo Manhas, assessora política do Instituto de Estudos Socioeconômicos (Inesc), ressaltou que a ampliação dos cortes nos gastos primários, vista como alternativa às medidas de aumento de receitas, terá impacto negativo sobre a população que mais depende das políticas sociais.
“Na realidade, o que está por trás disso é uma apropriação do orçamento por parte dos mais privilegiados, ampliando as já gigantescas desigualdades no Brasil. Em relação aos congressistas, que insistem que a única solução é cortar os gastos primários, por que não cortam das emendas parlamentares, que já representam cerca de 25% dos gastos discricionários? Ou dos altos salários?”, questionou Manhas.
Custo do crédito e IOF
A proposta do governo de aumentar as alíquotas do IOF foi fortemente contestada pelos principais líderes do Congresso, pelo mercado financeiro e por setores empresariais. Eles alegam que essa mudança tornará o crédito das empresas mais caro, o que terá impacto negativo em toda a população.
Em uma entrevista feita no podcast do cantor e compositor Mano Brown, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendeu o aumento do IOF como forma de compensar o ajuste no orçamento.
“Sempre que queremos ultrapassar as restrições fiscais, precisamos fazer cortes no orçamento. O IOF ajuda nessa compensação. Estamos mirando nos setores que lucram muito e pagam poucos impostos e também não desejam pagar mais. Portanto, esse é um embate que precisamos enfrentar”, disse Lula.
O governo recuou parcialmente da proposta do IOF. Inicialmente, o decreto visava arrecadar cerca de R$ 20 bilhões. Após negociações, foi elaborada uma nova norma com impacto fiscal de R$ 10,5 bilhões. No entanto, mesmo assim, a Câmara aprovou com urgência um projeto para anular a mudança relacionada ao IOF.

Cleó Manhas, assessora do Inesc, argumentou à Agência Brasil que a mudança no IOF teria um impacto pequeno sobre o custo do crédito, que vem sendo aumentado pelas constantes elevações da taxa Selic decididas pelo Banco Central (BC).
“O que realmente onera o crédito é a taxa Selic proibitiva que temos. Esses setores apenas pensam em seus próprios interesses e tentam englobar toda a sociedade como se todos fossem afetados da mesma maneira”, afirmou.
Conforme a especialista, a taxa Selic, atualmente em 15% ao ano, afeta mais os pequenos comerciantes ou os microempreendedores, que perdem a possibilidade de obter crédito. “Para os grandes, como o agronegócio, existem taxas de juros subsidiadas pelo Plano Safra. A taxa Selic também incide sobre os juros, aumentando o valor de nossa dívida. Além disso, não estamos enfrentando uma inflação desenfreada ou fora de controle”, analisou Manhas.
Cortes estruturais
Em vez de aumentar a tributação de títulos como LCA ou do IOF, o presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), tem defendido que o governo apresente medidas “estruturais” para reduzir os gastos primários.
Entre as propostas em discussão, está a desvinculação dos pisos da saúde e educação do mínimo constitucional, o que poderia resultar em redução nos gastos com essas políticas sociais. Outras sugestões incluem desvincular o reajuste das aposentadorias do aumento real do salário mínimo, ou até mesmo acabar com o reajuste do salário mínimo acima da inflação.
Cleo Manhas, especialista em orçamento, destaca que os recursos atuais destinados à saúde e educação não são suficientes para atender às demandas da população brasileira.
“Ainda não temos capacidade de ampliar a educação em período integral, ou até mesmo melhorar a qualidade da alimentação escolar. Se realmente quisessem manter esse suposto equilíbrio fiscal, sugeririam cortar subsídios e renúncias fiscais que reduzem a capacidade de arrecadação. Ou não teriam ampliado o prazo de desoneração da folha de pagamentos e do Perse [Programa de incentivos ao setor de Eventos] sem indicar qualquer compensação além do corte de gastos”, frisou a assessora do Inesc.
Em 2024, o Congresso Nacional derrubou o veto do Executivo e manteve a desoneração da folha de pagamentos, que consiste na redução de impostos, para 17 setores da economia. O gasto tributário com a medida mantida foi estimado em R$ 18 bilhões apenas no ano passado.
Outra proposta em debate entre o Congresso e o Executivo é a redução linear das isenções fiscais. O governo estima que gasta cerca de R$ 800 bilhões anualmente com isenções tributárias para diversos setores. No entanto, tal projeto ainda não foi apresentado.
Cortes já realizados
Após exigir que o governo apresentasse alternativas ao aumento do IOF em 10 dias, o presidente da Câmara, Hugo Motta, afirmou que o governo não fez esforços para reduzir os gastos primários.
“Nos últimos dois anos e cinco meses, todas as medidas propostas visavam o aumento da arrecadação. Nenhuma medida buscou revisar os gastos. E é isso que o Congresso tem cobrado”, declarou Motta.

Presidente da Câmara dos deputados, Hugo Motta, durante coletiva à imprensa após a reunião de lideres. Lula Marques/Agência Brasil
Entretanto, somente com o pacote de corte de gastos do ano passado, que incluiu a redução do aumento real do salário mínimo, a União deverá reduzir os gastos em R$ 327 bilhões em cinco anos. Apenas este ano, houve o bloqueio de R$ 31,3 bilhões no orçamento, o que contradiz a alegação de que não foram feitos cortes nos gastos.
Nova MP
Após intensas negociações, o governo reconsiderou a decisão inicial, do final de maio, que previa o aumento do IOF, entre outras medidas. A nova proposta do Executivo foi apresentada por meio de uma nova medida provisória (MP), com mais cortes nos gastos, da ordem de R$ 4,2 bilhões, afetando a educação e o seguro defeso dos pescadores. Além disso, as novas medidas preveem um aumento de receitas na casa dos R$ 10,5 bilhões, mantendo aproximadamente 20% do aumento anterior previsto para o IOF.
Dentre as medidas, está também a ampliação da tributação das apostas online (bets) e das instituições financeiras tecnológicas (Fintechs), além da padronização das alíquotas dos títulos de investimento em 17,5%. Atualmente, os títulos com prazo de vencimento superior a 2 anos pagam 15% de Imposto de Renda (IR) sobre os rendimentos.
Arcabouço Fiscal
A obrigação do governo de cortar gastos ou aumentar receitas decorre da Lei do Arcabouço Fiscal, aprovada no início do governo Lula, que limita os gastos da União. Essa lei substituiu o antigo teto de gastos, aprovado no governo Michel Temer, que possuía regras ainda mais rigorosas para as despesas da União.
Cleo Manhas, assessora do Inesc, avalia que políticas fiscais extremamente rígidas não são sustentáveis e, por isso, há uma forte pressão por cortes nos gastos com saúde e educação, como a proposta de desvincular os pisos dessas áreas estabelecidos pela Constituição.
“Com apenas dois anos de implementação do arcabouço, já estamos presenciando uma redução acentuada no orçamento destinado às políticas sociais. A solução adotada sempre recai sobre os grupos sub-representados no Congresso Nacional, como mulheres, negros, indígenas, quilombolas e população ribeirinha”, concluiu.
Fonte: Agência Brasil
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